terça-feira, 26 de abril de 2016

SUPERCALIFRAGILISTICEXPIALIDOCIOUS*

SUPERCALIFRAGILISTICEXPIALIDOCIOUS
(ASCIM PalavrAção - Assessoria de Comunicação e Imprensa - por Ana Lúcia de Paulo Superchinski, colaboração: Sergius Ramos)

A companhia tem buscado experienciar e aprimorar alguns conhecimentos de base que servirão de aporte nas próximas montagens deste ano. Nos dias 7 e 8 de abril, Tadica Veiga ministrou uma Oficina de Técnica Vocal à Cia PalavrAção com o intuito de despertar o cuidado com o trato vocal e a importância dos exercícios vocais na preparação do ator. Começou com exercícios básicos em que lembrou/ensinou a respirar usando o diafragma, articular vogais e consoantes, a morder lápis e uvas para depois articular melhor. Sempre focada na voz para o teatro, Tadica levou o grupo a direcionar a voz para o outro, a paralelamente ler com objetos na boca para ver o quanto o outro entende, brincou com o enrolar da língua e no seu destravamento, a calcular o tempo em que um texto deve ser dito conforme uma marcação e a relacionar palavras de um texto com gestos.
Num segundo momento, ela dirigiu o grupo de atores da companhia no exercício de um pequeno "espetáculo", para que aprendessem um pouco mais sobre distribuição de atores no palco, mesmo sem ver - enquanto recitavam uma canção que, apesar de ter música, não era cantada. Para que o "espetáculo" ficasse cenicamente limpo, com soluções de cena aceitáveis, do jeito que a mestra queria, o grupo teve que integrar-se, trocar sensações, ser cúmplice nas ações, ou seja, um teve que prestar atenção no outro para saber qual era o seu lugar no conjunto, não sendo óbvio. Nesse exercício de “direção de cena” ficou clara a importância do tempo vocal e da prontidão corporal do ator e do grupo que trará a voz na hora certa, para que aconteça um espetáculo homogêneo e com cenas deslumbrantes.
Tadica falou também da preciosidade que é o teatro de grupo, característica que a PalavrAção mantém há 20 anos, da necessidade de entendimento e cumplicidade no trabalho cênico dentro do espaço do teatro e mesmo fora dele, frisando a importância de o grupo conhecer-se e confiar no trabalho do outro, o que resulta na verdade cênica. Mais que falar e ensinar técnica vocal, frisou a necessidade de buscar sempre o olhar para a base e repetir algumas coisas simples no preparo do ator, às vezes esquecidas.

(*Supercalifragilisticexpialidocious (from "Mary Poppins") - Julie Andrews, Dick Van Dyke)






  



quinta-feira, 14 de abril de 2016

UMA CONVERSA COM HUGO MENGARELLI

UMA CONVERSA COM HUGO MENGARELLI
por Ana Lúcia de Paulo Superchinski

Hugo Mengarelli é responsável pela criação, no Prédio Histórico da Federal, do Teatro Experimental Universitário (TEUNI) e da Companhia de Teatro Palavração, que comemorou 20 anos em 2015 com a peça "Histórias de Acostamentos". E também foi responsável pela criação do curso de formação do ator dessa mesma universidade. Dirigiu pela Companhia peças como "O Incrível Retorno do Cavaleiro Solitário" (1997), "Uma Coroa de Orquídeas para uma Fria Pecadora" (1998), "Agidi - Uma Antígona Brasileira" (2001), "Tanguapo" (2007), entre outras. Antes disso, dirigiu peças como "A Cegonha Boa de Bico"(1984), "Vou te Contar Como é Lá em Casa"(1983/84),"O Eucalipto e os Porcos" (1986), filmes como "Roça" (1985) e vários curtas em Super-8 e 16mm, deu aulas de cinema na PUC, de teatro no Teatro Guaíra. Antes ainda, ele descobriu o Brasil. 
Argentino de Cruz Alta, veio em 1976. A cultura brasileira nunca lhe fora estranha: aos 4 anos já dançava "Brasileirinho" (o que, adulto, ele quis repetir durante um show que assistiu no Teatro Guaíra). Estudante de cinema e teatro em Buenos Aires, teve a cabeça virada pelo Cinema Novo e o corpo paralisado pela 
presença do "deus" Augusto Boal uma noite no seu grupo de teatro. Segundo ele, nos anos 60, na Argentina, a cultura brasileira era considerada a mais rica do mundo. Apresentado à literatura de Guimarães Rosa logo que chegou ao Brasil, demorou 14 anos para entender "Grande sertão: veredas", obra que considera fundamental para sua formação ética, e que mais tarde transformaria numa das influências da sua peça "O Incrível Retorno do Cavaleiro Solitário". Também estudou iorubá para escrever "Agidi-Uma Antígona Brasileira". E conhece mais de MPB que muito brasileiro. Mas também é muito ligado à cultura do seu país, que explorou por exemplo na peça "Tanguapo", junção de dois contos de Jorge Luis Borges, com atores dançando tango em cena. 
Esta é uma das marcas registradas de Hugo para quem o conhece: sua imensa cultura, fruto de muito estudo. "Não sou mestre, sou um eterno aprendiz", ele gosta de dizer, como Brecht, que é uma das referências fundamentais da sua concepção de teatro (chamada "razão orgânica", está descrita no livro "Ética e estética no ator - Uma questão de desejo"). No entanto, uma vez professor, sempre professor. A qualquer momento, em qualquer conversa, ele começa a ensinar. E é professor exigente e perfeccionista, principalmente no teatro: é capaz de interromper um exercício ou ensaio para corrigir, e nem sempre da forma mais delicada, sempre seguindo o impulso do momento. Mas também é capaz de elogiar efusivamente quem considera que está bem em cena. Isso deve ser parte da forte impressão que costuma causar, e que pode ser observado também, metaforicamente, nos tons de sua voz: passa de um tom normal para um mais exaltado, no qual as palavras saem mais rápidas (e fica mais evidente, principalmente na memória, o sotaque castelhano), e em seguida para um sussurro, em que elas demoram mais a sair, contidas pela reflexão. E isso pode acontecer num instante, sem razão aparente. 
Um dos momentos em que sussurra é quando explica por que não acredita que sua atividade de artista pode mudar algo na sociedade: "Penso que... eu não acredito que uma obra vá mudar a sociedade. Acredito, sim, que você pode modificar algumas pessoas, pode abrir uma questão, mas modificar, no. As pessoas não estão tão disponíveis. No, geralmente no, as pessoas não pensam. E en esta época muito mais, parece que as pessoas 
entraram numa espécie de briga total com o pensamento. Agem sem nenhum fundamento, nenhuma solidez, é uma palhaçada". Apesar disso, conta que há dois anos encontrou um homem que, ao ser apresentado a ele, perguntou de um personagem da peça "O Eucalipto e os Porcos", porque foi uma das peças mais marcantes que tinha visto na vida. E, apesar disso também, ele é cobrado na rua pela volta do programa de debates "Cobras e Lagartos", que passava na TV da UFPR e saiu do ar no ano passado, antes de completar 11 anos. Para esses, ele dá um recado: o "Cobras e Lagartos" vai voltar ao vivo no dia 23, às 19h, no Café Babette, anexo à Aliança Francesa.

Matéria publicada em 10 de outubro de 2015 e compartilhada da página:


Foto: Ana Lúcia de Paulo Superchinski
Edição de imagem: Ricardo de Paulo Superchinski